Num encontro de RPG


Sobre "São Paulo: a cidade dos shoppings"

Gostaria de aproveitar essa hq que eu fiz para tocar no assunto inspiração. É fácil criar uma única história depois que em um belo dia uma ideia aparece na sua cabeça, mas, supondo que você tenha que criar, digamos, uma por mês (o que é um prazo muito curto se levar em consideração um capítulo de 30 a 40 páginas), aí não tem inspiração que resolva, não adianta, aquele insight não vai aparecer do nada para salvar o dia.

São Paulo: a cidade dos shoppings é um exemplo de insight que eu tive quando um dia eu estava em um shopping quando eu vi alguém derrubando o refrigerante no chão. Apesar de ter sido uma inspiração, você pode, se quiser, aproveitá-las afim de criar uma identidade para o seu "estilo" de roteiro ou seus personagens. Como as Virgens Kamikazes é uma série descontinuada, ou seja, os capítulos são independentes, foi essa estratégia que eu adotei.

Agora, supondo que você queira fazer aquelas hqs seriadas, aquela hq de 40 edições do tipo Holy Avenger (exemplo nacional) ou até One Piece, que deve ter umas 100 edições, é lógico que você, antes de começar a desenhá-las, deve saber como começa, como se desenrola e como vai ser o final, senão a desmotivação vem rápido e daí para abandonar o projeto é dois palitos.

Eu acho uma puta sacanagem quando um autor, por exemplo o Hiroyuki Takei, de Shaman King, continua a série enlouquecidamente (por 64 edições para ser mais exato) para, na edição final, a história acaba abruptamente com uma carta pedindo desculpas porque a editora tinha dado um prazo de 64 edições (na verdade 32, pois a versão japonesa tem o dobro de páginas) para ele terminar e ele não deu conta.
Existe o caso inverso também, que é quando a editora pede para o autor encher linguiça porque a série está rendendo rios de dinheiro, como, dizem as más línguas, aconteceu com o Yoshihiro Togashi e seu Yu Yu Hakusho.

No Brasil, difícil de acontecer isso, pois a única série que é publicada periodicamente, desde o fim de Holy Avenger, é Turma da Mônica, que é descontinuada e bem consolidada entre o público infantil. As graphic novels, como chamam as hqs que possuem um enredo só que se estende por várias edições, são terreno estrangeiro; inclusive, numa pesquisa feita bem no início da "invasão mangá" no Brasil, quando séries como Dragon Ball ainda estavam em curso, a razão pela qual descobriram fazer tanto sucesso aqui é exatamente o fato de a maioria dos mangás ter um começo, um meio e um fim, coisa que as confusas cronologias da Marvel, DC e etc não proporcionavam. O leitor sabe por quanto tempo ele vai ter que comprar e não se perde em paradoxos temporais, é mais coeso.

Tanto é que o leitor de mangá brasileiro mostrou aversão aos mangás descontinuados (que aqui coincidiu com as séries de humor): Dr. Slump foi cancelado no número 14, Shin Chan acho que nem isso durou. Se querem a minha opinião, são duas obras tão boas quanto qualquer uma que já foi publicada no mercado nacional.

Se você quiser ter alguma chance no mercado nacional, acho que a tirinha e a charge são gêneros mais consolidados no mercado, isso se não quiser entrar no mercado infantil. Fanzine também é uma possibilidade (exemplo mais recente: Fábio Moon e Gabriel Bá).