Sobre "A Saga do Peixe-Leão"

A saga do Peixe-Leão foi a minha primeira experiência com "colagem" que eu fiz em uma hq, também quis experimentar o que a divisão entre o preto e branco e o colorido poderia me proporcionar na construção de uma narrativa.

Utilizei fotografias de peixes-leões de verdade porque na minha visão não faria diferença entre pegar um imagem e colar e fazer na aquarela um a um, o que daria muito mais trabalho e talvez não desse o resultado que eu desejava para esse projeto.

Por que Peixe-Leão? Eu resolvi "copiar" o poeta britânico William Blake (duvido que ele tenha sido o primeiro a fazer isso), que, dentro de suas poesias, criou uma mitologia própria; em seu livro "Canções da Inocência e Canções da Experiência", que foi o que eu li (ele cria muitos outros personagens), ele utiliza o cordeiro, que é a personificação da inocência, e o Tygre (aqui no Brasil traduziram como Tigre, sem o "y"), que representa a experiência. Nesses poemas, ele atribui a inocência à época da infância, e a relaciona com as coisas boas (ele era cristão), e a experiência à fase adulta em diante, quando o ser humano adquire a malícia .

   Little Lamb, who made thee?                                    
   Dost thou know who made thee?                              
Gave thee life & bid thee feed,                                      
By the stream & o'er the mead;                                    
Gave thee clothing of delight,                    
Softest clothing, wooly, bright;                                      
Gave thee such a tender voice,                                    
Making all the vales rejoice?                                        
    Little Lamb, who made thee?                                    
    Dost thou know who made thee?
                                                                                    
    Little Lamb, I'll tell thee,                                            
    Little Lamb, I'll tell thee:                                            
He is called by the thy name,                                        
For he calls himself a Lamb.
He is meek & he is mild;                                                
He became a little child.                                                
I a child & thou a lamb.                                                  
We are called by his name.                                            
    Little Lamb, God bless thee!
    Little Lamb, God bless thee!                                      
                                                                                      
(O Cordeiro - William Blake)                                        
                                                                                      
Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt  the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare sieze the fire?

And what shoulder, & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand? & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what dread grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water'd heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

(O Tygre - William Blake)


Eu pensei: por que eu não posso criar a minha própria mitologia também?

O Peixe-Leão, dentro do universo das Virgens Kamikazes, representa a cor, tudo o que ele toca fica colorido, como ficou explícito no prólogo. Dentro desta pequena saga então eu abri espaço para experimentar a cor, algo que, como eu expliquei bem no começo, era um dos atos proibidos para a série.

Na parte 2 eu resolvi criar um roteiro rápido centrado no Peixe-Leão, com a sua captura e aprisionamento no "mundo preto e branco" culminado com a sua libertação para o mundo "inteligível", onde a sua liberdade é absoluta.

A parte 3 narra a história de um garotinho chamado Alvo, ou Alvinho, uma vítima do veneno do Peixe-Leão quando este ainda era uma criatura real (colorida), e que por causa disso sofre com o preconceito dos amigos da escola. Uma coisa que só depois eu notei, mas pode ser associado com o preconceito sobre a homossexualidade ou sobre os portadores de Aids, mas nenhuma dessas associações passou pela minha cabeça enquanto eu estava fazendo este capítulo. Porém se alguém disser que tem a ver, eu não poderia desmenti-lo(a), visto que um autor, quando expõe o seu trabalho ao público, não tem o controle absoluto sobre as interpretações.

Este é um aspecto importante de toda a obra de arte, seja ela erudita ou popular: o artista não pode exigir que o espectador cubra todas as interpretações e decodificações que ele planejou para a obra. Como eu escrevi aqui, a forma como a pessoa vê não é a forma que você vê, portanto uma dica: se quer deixar uma mensagem bem clara, deixe-a bem clara mesmo.

Se você deixa algo bem abstrato, então podemos afirmar que qualquer afirmação vale para aquela obra, por outro lado, se deixar bem concreto, então não há espaço para outras interpretações, neste caso, o espectador é totalmente passivo (o que é ótimo se quiser escrever uma lei por exemplo). Costuma-se achar um grau de equilíbrio dependendo do seu objetivo.

Curiosidade: em uma página, duas das meninas estão vestidas de cordeiro e de tigre, em menção a Blake.

Saga do Peixe-Leão parte 3

Saga do Peixe-Leão parte 2