Sobre "Fala, panga!"

Dia 30 de março de 2010, na Pizzaria do Babbo (em São Paulo capital), houve uma exposição denominada "Fala, Panga!", que festejou a morte do cartunista Glauco, assassinado aos 53 anos de idade. Eu resolvi ir de última hora, ia de ônibus mas consegui convencer meu pai a ir.

A arquitetura do local é muito agradável: sobe-se as escadas, tem uma sacada com algumas mesas, o interior é composto por duas fileiras de mesas, todas para 4 lugares e encostadas nas paredes, formando um corredor único; aos fundos, atravessando um corredor com os banheiros, o caixa e o lugar que os caras fazem pizza, tem um agradável local com outras mesas, mas foi a parte da frente que realmente mais me agradou positivamente pela funcionalidade.

Vamos ao papo sério agora: como era o dia de abertura, muitos cartunistas amigos ou pseudo-amigos do Glauco compareceram, o local gradualmente foi se tornando uma muvuca. MTV e Band compareceram com suas câmeras e repórteres para fazer uma matéria. Gente conhecida compareceu.

Muita gente do ramo do entretenimento, como Laerte e Spacca, fora o pessoal que eu não reconheci, apareceu, gente celebridade. A dona, uma senhora de cabelos brancos, aguardava ansiosamente seus convidados ilustres. Em breve, a pizzaria foi tomada por aberrações de todos os cantos do império: caricaturas de gente, que, quanto mais excentricamente se vestiam, maior era seu status; eram mulheres de cabelos que apenas o mais fino hair designer poderia imaginar (ou não), levando seus filhos extrovertidos carregando seus nintendos dsi; homens com a barba por cortar, de chapéus do século retrasado ou de cowboy, sem contar em um tal ilustre convidado que apareceu de brincos azuis grandes feito pérolas e de unhas pintadas de escarlate.

A pequena repórter chamava um para uma entrevista em frente à sua pequena câmera, e então os pontos se conectavam: esquecer o nome de algum deles é uma ofensa mortal, no mundo deles, naturalmente, sua existência deve estar sempre no inconsciente de qualquer alma viva.

Nas duas paredes da parte da frente da pizzaria, a exposição dedicada ao cartunista morto, todas do mesmo tamanho: papel branco aparentemente do formato A2, eles variavam harmoniosamente entre charges horizontais e verticais, como se seu curador tivesse especialmente recomendado sua posição a cada chargista, o tamanho denuncia: todas as charges lá expostas estão à venda pra quem tiver bala na agulha. Havia também uma iluminação improvisada pela pizzaria, especialmente para as obras expostas.
Agora os museus também servem pizza.

Meu pai e eu terminamos a refeição, e, enquanto aguardamos a conta, uma moça que aparentava estar ainda na flor de idade contempla uma charge do Ziraldo, como se houvesse algo de transcendental, algo de misterioso e divino naquela obra-prima do gênio dos cartuns brasileiros, numa contemplação quase pornográfica que elavava a espectadora ao limite do reino dos espíritos, e, portanto, de uma elite que superou, aparentemente, toda a selvageria animal que o ser humano "das cavernas" poderia ter.

De conta paga, voltamos para casa, em uma esquina com a avenida Brasil, vejo, em uma parede de compensado, inscrições pichadas: "todos os dias nós somos torturados por uma auto-ilusão criada por nós mesmos".

E então, ao ver esta obra de arte a céu aberto, eu volto ao mundo real.