Sobre o meu passado

Antes da genesis das Virgens Kamikazes, que claramente são do lado humorístico da força, eu tive o meu lado novela de fazer quadrinhos. Por falar em classificação, eu estava em uma livraria quando cheguei na seção de histórias em quadrinhos. As divisões: adultos (pornografia), americanos, mangás, infantil e álbuns, tem por objetivo a lógica comercial, em outras palavras, visam a maximização do potencial consumidor do visitante. Como, neste mundo dominado pela burguesia, cidadão é sinônimo (literalmente, não estou fazendo piada) de consumidor, então tal lógica é favorável.

Lição: uma livraria, no mundo burguês, tem que, para sobreviver, dar lucro, e dar lucro é sinônimo de vender o maior número possível de livros. Dá para tirar bastante conclusões dessa afirmação, entre as quais a seguinte: antes dos livros de qualidade, os livros que vendem mais; se der para conciliar os dois, ótimo, senão, a qualidade é a primeira a ser sacrificada. O mesmo vale para os veículos midiáticos: a liberdade de imprensa é ótima, mas a audiência vem primeiro, e por ela vale ocultar a verdade e distorcer fatos.

É fácil de entender esta lógica: numa guerra, você vai mandar primeiro os mais descartáveis, que no caso são os homens (visto que os velhos não conseguem lutar); se a guerra for muito da pesada, o estado manda as mulheres (primeiro as sem filhos, depois as com filhos crescidos, e assim por diante); se a guerra for apocalíptica, e, pouco provável, ainda houver perspectivas de vitória (a essa altura, se eu fosse o chefe de estado, já teria pedido rendição faz tempo), você manda as crianças que puderem empunhar uma arma. É uma questão de instinto de sobrevivência: da mesma forma que um pai deixa de comprar aquele carro que ele tanto sonhava, ele gasta na educação de seus filhos, que por sinal são a continuidade de seus genes e, portanto, sua única perspectiva de imortalidade - esta sim, o objeto supremo de qualquer ser vivo.

Voltando à nossa livraria: ela precisa sobreviver, e para isso forjou sua classificação, que por sua vez forja a mente do consumidor. Essa classificação não deve influenciar o artista ou qualquer outra pessoa, pois alguém que o faz está se sujeitando à lógica da livraria portanto da lógica do mercado. Tais divisões são essenciais para a domesticação burguesa sobre seu rebanho de trabalhadores-consumidores, e eles sempre fazem questão de te mostrar sempre pelo lado do consumidor, pois mostrando ao cidadão seu lado trabalhador seria o mesmo que mostrar seu lado escravo, e Marx dizia que todo o homem cujo único valor é a mão-de-obra é um homem escravo.

Vejam que em nenhum momento eu separei o a esfera pública da esfera privada, pois essa divisão não existe, é uma ficção usada pelo dominador para exercer seu controle. O objetivo primeiro do Estado é a proteção da propriedade privada, e para isso ele não exitará em privar o "cidadão" e criar sua retórica de justiça para continuar existindo. O Estado é uma das ferramentas utilizadas pela classe dominante para seu crescimento.

Os quadrinhos são, atualmente, um meio totalmente dominado e absorvido por um mercado para a classe média, supervisionado pelas bancas e livrarias, por suas versões luxuosas entupidas de prefácios que genializam seus criadores e elevam suas criaturas a "obras-primas", logo, transformando simples tiras e histórias, tinta sobre papel, em produtos de luxo.

Espero um dia conseguir aquele sentimento de estranhamento e repulsa de um leitor das minhas histórias, aquele sentimento de que alguma coisa está fora de lugar ou de hora, aquele pequeno sentimento enterrado no fundo do subconsciente humano de alguma coisa está errada, aquela brisa do tempo passado.

Vejam o outro lado do Bruno aqui:

Baú secreto